- É mais fácil mover os
santos, do que solidificar as culpas. Certa vez, no vilarejo das Imaginações
Infindas, numa tarde de 10 de fevereiro de 1918, acontecera algo fantástico que
até hoje as pessoas se perguntam: como foi e onde foi parar aquele objeto?!
- O que era esse objeto vovô?!!
- Acalme-se, minha querida
neta! Logo, logo, saberás do que se trata; do que essas pessoas queriam e
desejavam de fato com aquele objeto fantástico nas mãos.
- Sim, vovô! Vou acalmar
minha curiosidade. Continue.
- Tudo bem, minha neta!
Continuarei. Naquela época, havia na casa do Sr. Euclides, várias coleções de
relógios: sejam os relógios de parede, pulso, ou de serem guardados na
algibeira do paletó ou da calça.
- Desculpe te interromper de
novo vovô, mas isso quer dizer que o senhor Euclides era um relojeiro?
- Sim, querida! O Sr.
Euclides era um relojeiro de épocas passadas, agora ele era um relojeiro
aposentado, um senhor de sessenta e seis anos. Na casa do Sr. Euclides havia
vários modelos de relógios, mas havia um que ele tinha um apreço enorme, um
valor sentimental, e por isso, este relógio diferente de tantos outros, lhe
produzia grandes ciúmes só de alguma pessoa querer saber, o que ele escondia
naquele pequeno baú azul no canto de sua escrivaninha.
- E o que era que ele
escondia no baú azul, vovô?!
- Por enquanto, não poderei
dizer minha querida neta. Deixarei sua imaginação fluir para os outros
pormenores desta história. Tenho que lhe dizer que somente os puros e de bom
coração, tinham o poder de desvendar os segredos que rondavam naquele relógio,
pois somente eles tinham a sensibilidade de sentirem o tempo de uma forma mais
rápida e direta, do que os outros que viviam o tempo às pressas, sem se
preocuparem em respirarem, saberem aonde vão e o que estão fazendo. Uma vez
aquele objeto na mão de uma pessoa de coração puro e sensível, faria com que
esta pessoa tivesse a oportunidade de rever todos os segundos, minutos e horas
que se passaram de sua vida.
- Que legal, vovô! Queria
ter conhecido o Sr. Euclides, para perguntar a ele sobre este relógio
misterioso, e se ele me mostraria.
- Pois bem, minha neta! A
vida do Sr. Euclides não foi nada fácil no período da juventude, no que diz
respeito a sua vida amorosa. Euclides era apaixonado por Katarine, mas ele nunca
chegou a declarar isso para ela pessoalmente.
- Por que Euclides nunca escreveu
uma carta para Katarine, vovô?! Talvez por palavras escritas, ficasse mais
fácil ao invés de palavras ditas.
- Que frase forte minha
neta, Elísia! Ele iria escrever, porém... você irá saber daqui a pouco o que
lhe impediu. Katarine era uma moça que gostava de colecionar gibis, e os únicos
gostos que ambos tinham em comum: era o gosto de ir ao Teatro e ao Cinema, que
naquela época era cinema-mudo. Acontece que Katarine não dava tanta atenção para
Euclides, pois Katarine na época namorava o imprudente Thiago Dias, que adorava
pegar rachas de carro no seu Chandler.
- E o que o Thiago Dias e a
Katarine tinham em comum?
- Em minha opinião, nada
minha neta! Thiago Dias não conseguia ver a essência de Katarine. Ele nunca a
levou no Teatro ou Cinema, somente a preenchia com promessas e nada mais.
Todavia, Katarine gostava de está com ele: talvez mais por proteção, do que
sentimento. Existia outro também: o tal patife e medíocre Isacc Nobre, que
enquanto Thiago Dias não estava por perto, queria conquistar a todo custo o
amor da Katarine comprando joias caríssimas. No entanto, Katarine não era
nenhuma dessas que deixava se fantasiar facilmente por joias, dinheiros, e...
- Vovô, por que você sente
tanto remorso nessa parte da história? É como se o senhor os tivesse conhecido!
- Está na hora de lhe
confessar que eu fui muito amigo de Euclides quando jovem, e fomos da mesma
turma no Liceu. Além disso, nunca gostei da personalidade do Thiago Dias e do
Isacc Nobre.
- Desse detalhe seria
difícil eu desvendar. Continue, quero ouvir mais, vovô!
- Então, certo dia, Euclides
retornou do Liceu e se trancou no quarto. O mundo tremia ao seu redor, não
havia chão... as paredes do seu quarto estavam tão frias e silenciosas:
despedaçadas por dentro. No virar da curva em alta velocidade, o carro encapota,
porém, não ultrapassa o limite da ribanceira. Katarine morre no acidente
cometido pela embriaguez de Thiago Dias no volante, e que, além disso, estava
pegando racha com Isacc Nobre. Este também morre no acidente, tendo seu carro a
despencar da ribanceira. Quis o destino que Thiago Dias sobrevivesse ficando
paraplégico e com a culpa no coração. Elísia, se o tempo pudesse voltar e
Euclides dissesse a Katarine os seus sentimentos por ela, talvez Katarine
estivesse noutro caminho agora. Lá fora,
Artemísia, a mãe de Euclides, toda apreensiva com o estado do filho gritava:
“Euclides, abra essa porta agora, estou mandando!”, e Euclides a responde com o
coração apertado na garganta: “Mãe, eu vou ficar bem, só quero pensar na minha vida
a sós!”. Naquele dia, Euclides pela última vez tinha visto Katarine na saída do
Liceu beijando o Thiago Dias. Naquele momento, era como se mil facas afiadas,
ultrapassassem o coração sensível de Euclides; era como se o orvalho escorresse
nas pétalas vermelhas de uma rosa, e uma lágrima ainda sem gosto descesse do
rosto pálido e puro de Euclides.
- Que triste vovô!
- Não chore minha linda Elísia!
- Me conte logo vovô, não
estou mais segurando minha emoção. Que história trágica!
- No momento que o jovem
Euclides chorava em seu quarto, o seu pai Cândido bate na porta e pronuncia:
“Filho, me deixe entrar!”. Euclides ao perceber a voz harmoniosa e cansada do
pai, decidi abrir a porta, e de imediato avista uma caixinha preta quadricular
nas mãos calejadas do Sr. Cândido. Este entra e se acomoda na cama de Euclides,
e leva a caixinha preta quadricular às mãos de Euclides: “O que é isto papai?”
Pergunta Euclides afastando as lágrimas do rosto. “Abre, que tu verás do que se
trata!” Responde o Sr. Candido. Euclides ao abrir a caixa se depara com o...
- Não acredito vovô! Você me
escondeu este tempo todo este segredo!
- Sim, minha neta! Abra a
palma de sua mão, e veja...sinta: está aí o antirrelógio. Sim, exatamente: um
antirrelógio, onde os ponteiros trabalham retornando as horas que já tenham
passado. Com o antirrelógio, temos o controle do tempo mentalmente. Podemos
voltar ao tempo, consertar os erros cometidos, fazer aquilo que não tivemos
coragem de fazer ou de ter tentado; dizer para aquelas pessoas que partiram tão
cedo de nossas vidas, que nós os amamos muito. Se bem que na verdade, devemos
dizer isso no momento que vemos a pessoa em nossa frente, então, abraçá-la, conversar,
tomar um bom vinho, um chá ou café juntos, antes que seja tarde demais, e
possamos nos arrepender de não ter dito e feito isso antes. Espero de ti, minha
neta, que você faça bom proveito deste presente, como eu fiz quando meu pai me
entregara naquela tarde tempestuosa de minha vida.
- Farei vovô! Farei. Muito
grata pelo presente. Eu te amo tanto, vovô!
Elísia, nesse instante, não
perde mais tempo, e abraça o seu querido avô, aconchegando-o em fervor o coração
puro e sereno!!
(Carlos André)