- Bem perto das Lembranças
Perdidas, existia um casarão abandonado, construído no século XVIII, onde a cor
cinza-esverdeada da arquitetura secular se assemelhava quando o céu se portava
nublado: um cinza obscuro, que tangia a alma daqueles que ousavam imaginar o
que estariam além daquelas portas e janelas fechadas. Na refração de segundos,
apareceriam janelas com vidros em estilhaços. Em simples detalhes, não tão
minuciosos para o leitor atento, ou aqueles a quem nos ouve, o casarão possuía
dois andares e um sótão, onde a família Kiensky guardava as lembranças
perdidas.
- Espere um pouco místico
Vincent! Quem era a família Kiensky?
- Sim Guiomar! A família
Kiensky era uma família não regrada a viver em sociedade. Somente o pai Brutos,
que na maioria das vezes saía para caçar as presas mais gordas para que a mãe e
as filhas, já moças, pudessem preparar para o almoço e (quem sabe) janta.
- E como eles se vestiam
místico Vincent?
- Eles só vestiam preto, sem
exceção; como se todos os dias para eles houvessem um apelo para fazer luto.
Mas acontece que naquele verão, na noite que precipitava a adentrar os montes
que circundavam aquele casarão, acontecera algo de tenebroso que marcou para
sempre a família Kiensky.
- E o que de tão tenebroso
havia acontecido aquele dia, místico Vincent?
- Na tarde daquele dia, a
mãe Úrsula pede Brutos, dizendo-lhe: “Brutos, não teremos comida para a janta,
e não mandarei o nosso filho Sulivan caçar, pois ele está ocupado no sótão
arrumando e passando verniz nas lembranças perdidas. Vá você mesmo na caça.”
Brutos, só confirma com a cabeça dizendo que “Sim!”, e nos seus olhos era como
ele quisesse dizer: “Mulher, trarei para ti o melhor lobo.. a melhor presa que
você irá comer!”.
- Místico, antes de tudo, o
que são as lembranças perdidas?
- Ah, sim Guiomar! Bem
lembrado! As lembranças perdidas era o baú onde a família guardava as relíquias
da família e dos seus antepassados. Aproveito e lhe digo: naquele dia, as
lembranças não foram totalmente perdidas.
- Sim... e por quê?
- Ao retornar da caça,
Brutos, que com o braço direito ficou com as marcas das garras do lobo, traz a
pressa nos ombros e estende o lobo já morto na esteira onde ainda há poucos
dias, estivera estendida a última presa. Brutos, querendo contar o seu feito
heroico ao filho Sulivan, corre para o sótão, mas a mãe Úrsula o repreende:
“Brutos, não vá atrapalhar o menino. Daqui a pouco ele desce.” Na mesma hora,
as filhas Eugênia e Lucinda descem a escada...imagine só: duas jovens de pele
bem clara, naqueles vestidos pretos ajustados ao corpo. Ambas se direcionam a
cozinha para ajudar a mãe Úrsula a preparar o jantar. Eugênia percebe uma
cicatriz na face esquerda do lobo, mas pensa ser comum aquela cicatriz neste
tipo de espécie de lobo. Eugênia até comenta com Lucinda, que a cicatriz de uma
pinta em formato de uma asa, a fazia relembrar os tempos de infância. Pois bem
Guiomar, o jantar foi servido à mesa a meia noite, pois o preparo daquela presa
se estendeu entre grandes intervalos de horas, que tanto a mãe Úrsula e as
filhas não planejavam o atraso. Pratos sobre a mesa, e Brutos foi o primeiro a
provar um pedaço daquela carne bem cozida e fresca! Elogiara as filhas e sua
esposa pelo tempero. Lucinda rasgou tão indelicadamente nos dentes, um pedaço
da coxa posto por ela entre o garfo e a faca de mesa; Eugênia só beliscou com
os dentes uma parte da pata, mas deixou no prato. Eugênia se levanta, dizendo:
“Mãe, vou chamar o Sulivan para a janta. Ele deve ter terminado o trabalho.” “Sim,
minha filha! Vá ao encontro do seu irmão, e diz a ele para não demorar mais a
descer.” Eugênia sobe as escadas com toda pressa, e ao chegar ao segundo andar,
vê que a luz do sótão não está acesa. Ao chegar ao sótão, a porta está somente
puxada: Eugênia abre e não vê Sulivan, avista as janelas escancaradas, e o
vento a balançar as cortinas. Eugênia desce as escadas já preparando o que iria
dizer para a mãe que: “Sulivan fugiu de casa sem avisar”, ou “Alguém da cidade
o raptou”. Quando Eugênia chega na cozinha, ela depara com todos no chão, se
contorcendo e vomitando as partes do lobo comidas naquela mesa. No mesmo
instante, a cabeça do lobo salta sobre a mesa, e grita indignado: “Vocês me
comeram...comeram sem saber...que eu era o próprio Sulivan transformado em
Lobo”, ao proferir as últimas frases, o lobo, ou melhor, o Sulivan finalmente
morre simbolicamente em seu desgosto assistido naquela mesa. A partir daquele
dia Guiomar, ninguém daquela família foi o mesmo. Eles passaram a se vestirem
diferentes, e o Sol que iluminavam os grandes montes, não era o mesmo que
iluminava o vilarejo das Lembranças Perdidas.
(Carlos André)