Crônica
O Homem que só usava terno
No meio desta alta
sociedade, tanto podia ser parisiense ou de qualquer outra capital, no qual os
charutos também tinham sua vez nas rodas de discussões políticas, além das
discussões sobre filosofia e economia. Altamira, uma mulher de pouco mais de 30
anos, de estatura média, cabelos ruivos, olhos castelos, estilo gótico pela
sombra das sobrancelhas; maça do rosto rosado quando sorria, regozijava durante
a fineza de estilo do discurso do almirante Leopoldo. Isso era de se analisar,
quando Leopoldo, estatura alta, calvo, com suíças e de cartola na cabeça, sentado
na mesa onde acabaram de servir o banquete; levantou-se, tirou a cartola, e
numa posição militar, proferiu a seguinte frase:
- Tenho a honra, juntamente
com os convidados aqui presente, de dar início a este banquete, onde no final,
iremos decidir os rumos futuros da Ordem Secreta da Maçonaria. Com a crise
democrática que a sociedade para além dessas portas deste salão convive, a
nossa irmandade, por mais que seja de poucos membros, corre o sério risco de
acabar!
Leopoldo franziu o cenho.
Acredito que tuas mãos se tornaram frias num instante quase imperceptível.
Trêmulas nem tanto, porquanto o teu posto de almirante fazia de Leopoldo, um
cara firme de palavra. Embora, haja exceções.
A sala toda se fez em
silêncio, nenhuma mosca com teu zunido operava tua tarefa pelo ar; ou se quer o
farfalhar de seda do vestido da madame Antonieta, que se encontrava logo a
direita do Doutor Pétros (sentado no último lugar da fileira oposta do
palestrante), fizera barulho quando Leopoldo exclamou que aquilo em que
acreditavam, poderia acabar de uma vez por todas.
- De fato, o que você bem
disse Leopoldo, coloca em xeque-mate o futuro obscuro da nossa irmandade; -
disse Serafim, um senhor já de idade, que foi secretário de relações públicas
administrativa, e agora, é secretário daquela irmandade maçônica, e prosseguiu
no teu dizer -; a crise tanto política e social de lá fora, nos afetara de uma
forma imprescindível, e não esperávamos que as conseqüências viessem em voga.
Em nossa irmandade, só aceitamos pessoas de alto nível cultural e intelectual,
para que possa se agrupar com os demais e nos ajudar a estudar esta sociedade
que estende aos olhares. Sociedade que lemos nos jornais; assistimos no teatro,
vemos pela TV. Qual é o futuro, ou será que é só consumismo com informação
manipulada, com pouca opinião de decisão?
- Que bom ouvir tua ideia
Serafim, quanto a esta questão que, com certeza, preocupa a todos que se
encontram ao redor desta mesa – respondera o almirante. Altamira admirava tanto
a proeminência da colocação de Leopoldo diante da atual crise.
- Gostaria de tomar a
palavra, se já concluístes o almirante Leopoldo – anunciou de repente o duque
Caxias. O duque Caxias, era duque daquela maçonaria, que até então, era o
centro das discussões.
- Pois não duque! Nos
diga...
- Bem, se a ordem de agora é
ajudar os mais necessitados, levando livros arrecadados das bibliotecas que
estão procurando meios inseticidas de matarem as traças e os cupins; sem
olvidar que há um escasso público que recorre às bibliotecas. E para finalizar
meu pronunciamento, isso dependerá das gerações, para outras épocas.
- Tome cuidado com esta
expressão “para outras épocas” – recomendara o jovem historiador Ambrosio, que
se levantara já com seus 29 anos, bem administrados. Do teu lado esquerdo,
estava tua esposa Lorena, uma jovem pianista de cabelo curto castanho, olhos
verdes, aspirante para a música erudita, especialmente a barroca.
- Sim, meu caro Ambrosio!
Esta expressão é mais do que uma premonição tardia do que nos espera no
decorrer desses anos.
- Sei que o senhor Serafim
pronunciara esta expressão antevendo os rumos da irmandade – antecedeu
Leopoldo, e antes mesmo que terminasse, as portas do salão se abrira, e entrara
com o passo calculado um jovem, que sabia onde estava pisando. De perto jovem,
mas de longe, parecia ter seus quarenta anos, de postura erguida, mas que na
verdade tinha seus vinte e três anos. Era um homem com terno preto, algumas
vezes se portava com ternos de outras cores (azul, cinza, verde, vermelho,
amarelo, lilás, entre outros estilos), mas que sempre usava terno. Percebiam-se
nas ocasiões festivas, literárias. Todos estavam esperando Richard, especialmente
a Clara, uma jovem com seus vinte e seis anos, de cabelos loiros ondulados, olhos
castelos que pela luminosidade do salão, refletia um azul-claro nos olhos.
Guardara um lugar para Richard ao teu lado. Richard agradeceu a Clara com um
beijo no rosto. Clara sorriu.
Richard era o cronista da
cidade. Escrevia para O Pasquim e O Cruzeiro. E naquela ocasião trouxera no
bolso do terno, a última crônica escrita. E que no final da reunião, leria para
os convidados. Havia aqueles que estavam esperando ansiosos pela leitura da
crônica.
- Prossiga, não quero que
minha chegada lhe interrompa no que estavas dizendo. Talvez seja mais fácil
moldar o presente, do que consertar o futuro. Sendo assim, faça de minhas
palavras o que irias continuar. Então continue...
- Nãooo! Disse o almirante. Prefiro
que você leia a tão esperada crônica. Estavas somente defendendo a explicação
de Serafim sobre a “época”...
- Não quero parecer
finalizador de dialéticas tão estimáveis.
- Não está sendo meu caro
Richard! Leias a crônica para que todos possam decidir sobre os rumos da nossa
irmandade – determinou Leopoldo.
- Então lerei! Disse
Richard.
Aqueles que ainda estavam
sentados se levantaram da mesa, e se encaminharam para a sala contígua à sala
de jantar. Uma sala extensa, de melhor acústica para debates, saraus,
declamações, encenações teatrais. E assim, se fez silêncio instantâneo, e o
verbo da palavra fizera mudança quando a leitura da crônica começou.
(Carlos André)