terça-feira, 30 de outubro de 2018

Análise da peça "Bailei na Curva"



Para quem sabe do que se passou nas “entrelinhas” no período da terrível e sangrenta Ditadura Militar (1964-1985; 2019?, será?) a de ter se emocionado com a peça “Bailei na Curva”, adaptação do texto de Julio Conte, que os estudantes de Teatro do IFNMG, apresentaram esta magnífica peça no Teatro Santa Izabel em Diamantina.

Estive lá e presenciei cada detalhe, aos críticos leitores e telespectadores detalhistas, estudar cada ângulo da cena, os incríveis “congelamentos” da cena, para passar para a outra cena, depois esta cena se congelava como se fossem estátuas, muitas das vezes pertencentes de uma história dominada pelo FASCISMO e o TOTALITARISMO PATRIARCAL.

Aquém da educação rígida demonstrada no Colégio de Freiras, cena esta que se apercebeu desde início, de forma cômica, retratando as explicações da CONCEPÇÃO (ato), mas lá no fundo, teve uma forte CRÍTICA aos ensinamentos da década de 1960 em questão da sexualidade, fatoeste que no final desta década, houve uma grande revolução em se tratando da sexualidade dos jovens, filhos da ditadura militar, ou seja, aqueles que cresceram em forte repressão militar sejam dentro de casa (pelo pai servindo a Marinha), ou no DOI-CODI.

Cada história dentro da HISTÓRIA: a trajetória de sete crianças vizinhas que cresceram, e muitas delas, principalmente os pais e filhos mais velhos que envolveram nos protestos, sofreram repressão, tortura.

Como dizer para uma criança daquela época, o que foi a Ditadura Militar, além de outros assuntos “delicados” em 1964, a exemplo da revolução sexual, o movimento feminista, as lutas dos estudantis nas ruas contra a repressão militar? Seja sincero, não invente labirintos na maioria das vezes para a criança. Como fazer para que possamos rir hipocritamente do TERROR, de algo muito sério? A comicidade é um prato cheio. Façam pelo menos sorrir de verdade aquelas pessoas que foram torturadas por dentro (psicologicamente) e por fora (fisicamente).

Das sete crianças, algumas crescerão com a consciência política do que representou aquela repressão militar, o decreto do AI-5; pais de esquerda que se envolveram na luta contra a ditadura; pais de direita que apoiaram os militares. Alguns cresceram e terão grandes profissões, outros crescerão e se envolveram em jogos perigosos da vida.

Todos os atores e atrizes foram espetaculares, cada um em sua função de atuar, o seu modo de atuar, pois há escritores de peças teatrais, e há aqueles e aquelas que nascerão com o DOM de ATUAR a PEÇA do ESCRITOR DE TEATRO. Em se tratando das atuações, destaco duas: a de Paloma Pereira e Lauanda Lopes. Já tendo visto atuações de Paloma, querida “Ipê do Vale”, esta foi a melhor atuação que ela teve, superou para mim os “prêmios” de melhor intérprete da noite literária do Festivale, principalmente a de 2014. A Lauanda, confesso que foi a primeira vez que eu a vi atuando, já tinha a visto cantando (ofício que ela faz muito bem), e se tratando de atuar, me encantei definitivamente pela voz suave (sensível) e FIRME, CONVICTA na fala da PERSONA(gem) vivida naquele momento. Uma magnífica atriz.

Quem ainda não assistiu à peça, corre, não fique aí parado, não baile na curva, pois ainda dar tempo de assistir para você sair com sua própria reflexão da peça. Esta foi a minha reflexão, a minha análise curta, que eu poderia ter muito bem estendido, mas eu fiquei com medo de bailar na curva, depois de o sinal vermelho do semáforo ter fechado!!


(Carlos André)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

MIOPIA















Fui ao oftalmologista Edgar e percebi que o MUNDO visto em letras garrafais por alguns, é bem diferente do MuNdO visto por outros. Ele me explicou em detalhes, e ainda me disse:

- Essa é a visão que o míope vê! Dar pra você imaginar do que estou falando?
- Sim!

Antes de irmos para os aparelhos principais da consulta, o oftalmologista Edgar pediu-me para identificar no globo terrestre do seu consultório, o nome dos países que estavam minúsculos, turvos e espalhados naquela esfera de plástico; países que no século XX e de outras épocas, foram colonizados e escravizados, e muitos ainda estavam sendo dominados por ditadores, fascistas que pregavam uma “falsa” verdade e ameaçava a democracia.

Quando eu fui para a lâmpada de fenda (biomicroscópio ocular), numa das lentes que o oftalmologista Edgar inseriu, eu assistia a cena no DOI-CODI em 1968, dias após o estabelecimento do temível AI-5 que minha visão míope não queria ver, porque a dor adentrava em meu corpo:

- Onde está a Sônia e o Eduardo?
 - Eu não sei.
- Fiquei sabendo que você é um excelente pianista, e gosta muito de tocar Beethoven, Bach, Mozart, Chopin. Isso é verdade?
- Sim, é verdade...
- Sargento Ferrugem, traga aquele alicate que está em cima da mesa. Agora você vai me dizer quem era o “cabeça” dos movimentos revolucionários estudantis? Você vai falar?
- Eu não sei, e mesmo se eu soubesse, eu não irei dizer o local dos encontros, os nomes. Porque eu não sou um traidor.

“Ditadura Militar NUNCA Mais!”, dizia minha consciência subalterna de mim, para que eu tirasse de minha visão, aqueles choques elétricos, mulheres sendo torturadas na frente dos seus filhos pequenos pelos cruéis militares; corpos nus ensanguentados sendo expostos nos paus-de-arara; alguns dedos sendo arrancados das mãos com tamanha brutalidade, para que a música clássica não pudesse ser tocada pelos ágeis dedos do pianista.

Em memória de Stuart, Zuzu Angel, Frei Tito, entre tantos mortos e desaparecidos políticos. Zuzu, eu sei o que seu filho passou na mão daqueles torturadores. Aquilo doía dentro de mim feito uma parte trágica da “Nona Sinfonia” de Beethoven, e para amenizar a minha tensão psicológica, em outras lentes de aumento continham cenas românticas, a exemplo do primeiro beijo doce e sereno daquele casal depois de muitos encontros e conversas.

Foi aí que eu me lembrei do dia que eu conheci a Olga, uma das últimas vezes que eu a encontrei, passando na mesma rua, perpendicular a minha, desabafei-me, ou melhor, desabei-me em estilhaços aos seus pés, tendo o zelo de não cortá-la:

- Olga, lembra aquele dia que lhe vi e não pude lhe cumprimentar?
- Sim, eu lembro! Aquele dia eu fiquei com muita raiva de ti, você passou por mim sem me perceber.
- Perdoe-me, é porque eu estava sem óculos, Olga! E você estava bem distante, não pude perceber o que era aquilo; ou se aquilo era você.

Meu oftalmologista logo me perguntou, fazendo-me retornar a realidade, da lembrança ao presente:

- O que seria “aquilo”?
- Aquilo são as imagens turvas que vejo quando estou sem óculos. Têm imagens que me vem repentinamente iguais às cenas tidas no DOPS, e têm muitas imagens turvas que não me lembro de ter ocorrido, mas eu tenho certeza que estive ali: é como se fosse um déjà vu.
- E o que a Olga disse?
- No fim de tudo, ela consentiu em compreender a minha miopia. Abraçamo-nos fortemente. Eu continuei seguindo o meu caminho, e acredito que Olga também tenha prosseguido adiante.
- Você chegou a dizer para a Olga o quanto a amava?
- Não deu tempo de dizê-la!
- Saiba que às vezes não precisamos de lentes de aumento para enxergar a verdade escrita a nossa frente. O nosso coração nos diz, o que a mente pressente!
- E eu me arrependo até hoje de não ter dito. Queria tanto reencontrá-la; abraçá-la; olhá-la mesmo sendo a última vez, e dizê-la que a culpa foi minha do tempo que perdemos de não termos ficado juntos.
- Não se culpe sozinho! Ambos têm uma parcela de culpa. Estava chovendo, na última vez que você a encontrou? – Perguntava o oftalmologista Edgar.
- Sim, estava chovendo, não tão forte! E a Olga estava com um guarda chuva. De longe eu a avistei, pois agora eu estava com os óculos. Dirigi-me ao encontro dela e disse:
 - Oi... - E a Olga me respondeu:
- Ei, desculpe, mas agora eu estou com pressa! Vamos combinar depois de tomarmos um café juntos, assim, nós podemos conversar melhor... com calma, tudo bem?
- Sim! E pode ser no Café Flore?
- Pra mim, tudo bem!
- Encontro marcado então, Olga!
- Te encontro antes das seis, amanhã!

Mas a Olga desapareceu de uma hora pra outra, sem deixar registros, bilhetes, alguma carta; perfume maciço do seu corpo no meu cobertor; fios do seu cabelo em meu travesseiro: e o seu desaparecimento já faz cinquenta anos. Aliás, até hoje eu não sei se o meu oftalmologista Edgar é de fato um oftalmologista ou o meu psicanalista: ou quem sabe ambas.

Ainda tenho sérias cicatrizes daquela época!!

(Carlos André)

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Uma Flor Vermelha e uma Taça de Vinho na Mão




























Nem sempre encontramos a palavra CERTA
Na oração INCERTA
Dentro de um copo d’água em tempestade.

Nem sempre encontramos o verbo conjugado
A metáfora dos nossos sonhos
E o adjetivo acompanhado de adjunto.

Quase sempre: há uma flor vermelha
Acompanhada de uma boa safra de vinho
Derramada na taça do desejo
Circundando o pensamento sensato.

Nem sempre ou quase sempre
Estamos a par da situação.
Mas a esperança “nós” nunca perdemos
Das 13 possibilidades!!

(Carlos André)

sábado, 6 de outubro de 2018

Análise do filme “Lavender”















“Lavender” (2016) que significa Lavanda, ou alfazema, arbusto cinzento e flores roxas, é um filme que de fato é bucólico pela sua essência de fragrância que há em seu título, pois há cenas da personagem central, a Jane - interpretada pela atriz Abbie Cornish de “Brilho de uma Paixão” (2009), em campos de lavandas e outras espécies de plantas, no entanto, se o telespectador espera um filme romântico com conteúdo bucólico, isso eles não terão.

“Lavender” do diretor canadense Ed Gass-Donnelly, até então desconhecido por mim, é um filme que tem um grande foco na arte da fotografia da personagem Jane (adulta), que esconde um passado misterioso de quando ainda era criança, no qual suas fotografias dos campos bucólicos e melancólicos, além da casa assombrada do seu passado, lhe darão grandes pistas de desvendar o mistério.

Vários colapsos de memória perseguem Jane durante sua fase adulta, e agora ela tem um esposo, chamado Alan, que a meu ver, não tem um papel tão importante quanto à filha, a Alice, que eu considero como se fosse de acordo com a teoria freudiana, um superego de Jane, e outras vezes um alter ego que quer mostrar a Jane o que ela até então não consegue enxergar a sua frente: o seu passado vindo à tona através das fotografias, do gosto por aquele lugar bucólico que a aproxima de sua infância, de seus medos e traumas.

Tudo se agravará após o acidente de carro, cena que esconde um enigma: este acidente foi provocado pela imagem da Alice (uma sombra da Susie) no meio da estrada, ou a imagem do passado da Jane refletida em Alice?

 Imagine você que pressente de que algo muito ruim aconteceu no seu passado, devido a tantas pistas dadas, a exemplo das caixinhas brancas com laço vermelho e um objeto pequeno e sombrio dentro daquela caixinha, como se fosse um simples pingente, lhe revelasse dores e um desastre familiar, e que isso tudo está interligado contigo?

Para finalizar, e não conceder nenhum espólio de relevância para que os que ainda não assistiram possam contemplar originalmente, a cena inicial do filme, será importante para tentarmos entender que aquela beleza fotográfica, ou melhor, uma cena inicial que vira fotografia com efeito de câmera lenta, não está ali só porque a personagem é fotógrafa, e que o filme gira em torno das fotografias do passado e do presente, mas também para revelar os detalhes de como tudo ocorreu, e de como o peso da culpa foi carregada durante vinte e cinco anos sem ter percebido que o verdadeiro mal estava tão perto, farejando, e que a Jane não poderia deixar agora ele escapar.

(Carlos André)

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Não Retroceda no Tempo













Brasil, não volte no tempo
Não vote em 1964 (Ditadura Militar)
Eu ainda tenho cicatrizes
E eu não quero que essas minhas cicatrizes
Voltem a sangrar!!

(Carlos André)

Acalento













Acalentar a dor, o choro vazio
A lembrança que foi tardia
O suspiro e o sussurro
De um amor puro e vazio.

Acalentar os necessitados
De coração sóbrio e humilde
Entre aqueles corações tardios
Completamente vazios
Sem ter se entendido
Gerúndio, particípio
A vida procura uma fuga
Uma fuga de sentido!!

(Carlos André)

Imagem: "A Music Party" (Uma Festa de Música), pintura de Arthur Hughes, criada em 1864 no período do Romantismo.

Análise do Filme “Cazuza: O Tempo não Pára”



Era 2005, um ano após o lançado, que eu assisti a este filme, que eu considero o melhor filme cinebiográfico do rock brasileiro, e no decorrer desta curta análise, direi o porquê: “Cazuza: O Tempo não Pára” (2004), direção de Sandra Werneck, Walter Carvalho, na produção de Daniel Filho.

Na época que eu havia assistido eu tinha 11 anos. Já era admirador da obra musical de Cazuza há algum tempo, principalmente o conteúdo contido em suas letras: Clarice Lispector, Allan Ginsberg, Jack Kerouac, entre outras referências literárias.

Agora vamos ao elenco: eu posso dizer com toda veemência cinebiográfica, que a tríade do elenco - Daniel de Oliveira (interpretando Cazuza), Marieta Severo (interpretando Lucinha Araújo) e Reginaldo Faria (o João Araújo) – teve para mim na época, os papéis que mais se destacaram no filme, e é claro, estamos falando de um filme que um dos livros que serviram de apoio para compor o roteiro foi justamente o livro que conta a história do núcleo familiar de Cazuza, escrito pela Lucinha em parceria com Regina Echeverria: “Só as Mães São Felizes” (1997).

Com o passar do tempo, e assistindo o filme mais vezes e percebendo outras nuanças, comecei a ver com outras perspectivas, papeis a exemplo da ponte de interligação em determinadas fases da vida do cinebiografado, o Ezequiel Neves (interpretado pelo Emílio de Mello); papeis que revelaram grandes parcerias, e nesse quesito destaco duas: Bebel Gilberto (interpretada pela Leandra Leal) que gravou com Cazuza e o Dé, a música “Eu preciso dizer que te amo”, que até então, este seria o título do filme; e Frejat (interpretado pelo Cadú Favero) que eu considero - e penso que a maioria dos críticos da obra de Cazuza irá considerar - o maior parceiro musical de Cazuza. São muitas músicas, mas juntos eles compuseram “Ideologia”.

Vamos à vida “íntima” de Cazuza: antes de ver o filme, eu sabia de vários detalhes da vida exagerada e intensa vivida pelo Cazuza (o Caju). Aquela questão: cada um vive a vida da forma que acredita ser a melhor forma possível, e que lhe fará bem (de verdade). Tem várias atitudes e comportamentos do Cazuza que eu não concordo, porém, eu respeito. Aquilo foi a vida dele, está no livro, nos livros, e essa parte a cinebiografia não podia criar eufemismos. Este é um dos motivos que eu considero a melhor cinebiografia do rock nacional que faz jus a vida e obra de um cantor, que na época, estava completando 14 anos de sua morte acometida pela AIDS.

No entanto, tem o outro lado da crítica: Cazuza cresceu nas fronteiras entre o Rock e a Bossa Nova; o Blues/Jazz, junto da MPB e o Samba, assim, um rockeiro que experimentava todos esses estilos musicais, também tinha que ser exagerado a ponto de experimentar outras “drogas” mais pesadas. Nesse ponto de vista, será que poderia ter sido diferente? Eu sei que a máxima do rock é “Sexo, Drogas e Rock’n Roll”, mas o rockeiro não deixaria de ser rockeiro, se diminuísse a velocidade da vida, mesmo que fosse tachado no futuro de “certinho”, que substitui muito bem a expressão “careta” dos anos 80. A vida é repleta de escolhas, e certas escolhas, poderá nos fazer mal ou não, e Cazuza sabia muito bem o que lhe fazia mal. Porém, ele tinha idade e ideologia de sua geração suficiente para escolher qual caminho seguir.

Há duas personagens que eu quero destacar, que chegam a ter um curto relacionamento com Cazuza: a garota de Bauru (interpretada pela Maria Flor) nos tempos auges do Barão Vermelho, e a Dani (interpretada pela grande atriz Débora Falabella), que será o início do voo de Cazuza para a carreira solo. Suponho que a Dani seja a Denise Dumont, que Cazuza chega a escrever uma carta em 1986 endereçada a ela.

O grande motivo de este filme ter ganhado até agora para mim, o posto de melhor filme cinebiográfico do rock brasileiro, e que eu deixei para finalizar esta análise, é a entrega de Daniel de Oliveira ao papel principal. Na fase antes e após a doença, Daniel se assemelha muito ao Cazuza. Na fase final do filme, e obviamente da vida de Cazuza, Daniel chega a emagrecer 11 quilos para que tudo saísse perfeito, fazendo justiça à vida e obra de um dos maiores cantores do Rock Nacional: Cazuza, o poeta de uma geração ideológica, vinda dos tempos difíceis da cruel ditadura, e agora respirava a Redemocratização, pois o tempo não pára, ou será que parou?!!


(Carlos André)