O
Psicanalista e a paciente Sabrine
Dr. Ferdinan era um dos mais cultuados psicanalistas de sua
geração. Discípulo das teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan, mesmo que
contradizia Freud e Lacan em algumas teorias destes. Ferdinand escreveu várias teorias acerca da
aplicação hipnótica de Charcot, além de abrir as portas da psicanálise para a
eficiência e a não eficiência da hipnose em algumas áreas da mente.
Houve um dia, que uma nova paciente veio lhe procurar
dizendo:
- Doutor! Tenho dores insuportáveis na cabeça sempre quando
acordo de um sonho, independente se este sonho foi bom ou não. O pior é que
estas dores continuam, mesmo com pouca freqüência no decorrer do dia.
Só de analisarmos-lhe, já poderíamos prever o que era a
dimensão do teu quadro clínico. As dores eram tão intensas como se fosse uma
ponta de uma lâmina que entrasse na pele, que teu ciclo menstrual sempre
variava. Aquilo não parecia ser uma cólica menstrual, e longe de ser um sintoma
de gravidez. O nome da paciente era Sabrine, e logo quando Sabrine entrou no
consultório, Ferdinand analisou minuciosamente tua expressão cabisbaixa, e a
feição dela neste dia era de uma palidez total, que Dr. Ferdinand a disse:
- É melhor você deitar no divã. Relaxe e tente esquecer as
preocupações que o cercam no momento.
- Tentarei!
- Feche os olhos, e coloque teus braços paralelos de cada
lado. Respire profundamente.
- Sim, doutor!
- Não precisa ser formal aqui, lhe peço. Pode me chamar de
Ferdinan, ou alguma alcunha do meu nome, caso queira. Será melhor para nossa
consulta, e também pelo desenrolar da nossa conversa. Porque a formalidade pode
travar algum pensamento íntimo que tenha vontade em me dizer.
- Tudo bem Ferdinan!
- Sabrine, relembre o que realmente lhe trouxe até o meu
consultório, principalmente de tua última crise.
-Estava completamente dopada de remédios para dormir, antes
de vim pra cá. Faz três anos que meu filho de cinco anos havia morrido. Ainda
sinto uma dor intensa dentro de mim.
- Qual foi a causa da morte?
- Pneumonia!
-Tente me dizer como era tua vida antes deste acontecimento.
- Tudo era tão bom, um sonho perfeito, onde não havia dores e
mortes. A alegria sempre reinava em nossa casa. Eu era casada nessa época. Sou
divorciada... e.... meu marido não suportou as minhas crises. Os sonhos que eu
tinha com o nosso filho, as alucinações de ver meu filho andando pela casa,
dizendo: “Mamãe, olha o que eu achei no pátio”, e ele sorridente abria as duas
mãos e me mostrava um filhote de pássaro, e eu dizia toda contente “Que lindo
filho, mas está na hora de devolvê-lo para a mãe dele”, pois sabe doutor, quero
dizer, Ferdinan, que eu também aconselhava meu filho já naquela idade sobre que
certos pertences são da natureza – as lágrimas inundaram o rosto de Sabrine no
momento quando relembrava desta cena – disse Dr. Ferdinan:
- As boas imagens, que também são tidas como boas lembranças
são as que devemos deixar em nossa memória. Você me contou algo importante que
pode ser uma das chaves do teu problema de suas terríveis enxaquecas. Conte-me
sobre os últimos sonhos que você teve com o teu filho, e depois me conte sobre
algum sonho em que ele não aparece.
- Teve uma noite, que estava chovendo tão forte, que abrir as
janelas e respirei aquele ar gelado. Pois eu queria morrer, do mesmo modo que o
meu filho.
- E teu marido, não fez algo para lhe impedir?
- Augusto?! Aquele era um ser insignificante, um traste, que
só importava com teus negócios na empresa, e que só serviu para colocar Luan no
mundo. Eu agradeço-o por isso.
- Desculpe sair um pouco do rumo da conversa, mas você não o
amava?
- Sim, eu o amava. Porém, tinha momentos que eu o odiava a
ponto de não querer mais. Toda vez que íamos pra cama, ele queria somente
satisfazer teus desejos ao invés dos meus. Nunca cheguei ao orgasmo com
Augusto. Doutor, você me ama, mesmo que tenha poucos instantes que nos
conhecemos?
- Sabrine, não misture a consulta com as intimidades
sentimentais da vida.
- Desculpe doutor! Quero dizer, Ferdinan...
- Tudo bem, continue... e depois volte nos sonhos...
- Sim! Augusto amava Luan, mas era do jeito dele. Comprava um
monte de brinquedos, empanturrava o quarto de Luan, mas carinho mesmo pouco o
dava. Então, quando eu abrir a janela com a chuva, também pensei em minha
infância que também foi boa. Comparei-me com Luan, aquilo que eu poderia lhe
conceder que minha mãe não soubera me dar.
- O que tua mãe não soube...
- Carinho meu querido Ferdinan!
- Este é um dos bens mais valiosos para a mente Sabrine.
- Não que minha mãe nunca me abraçou, mas sempre ela me dava
carinho e depois me repreendia verbalmente. Percebia que a repreensão dela era
consigo mesma, com o meu pai que a largou. Assim, ela descontava tua dor de
desamparada em mim. Embora hoje tenhamos uma boa relação, e ela adorava Luan e
detestava Augusto. Acredita que ela me apoiou quando eu fiquei grávida? Um dia
eu sonhei, e este foi o sonho diferente dos que eu tive com Luan, pois neste
sonho, minha mãe abraçava-me tão calorosamente, que minha esperança aumentava
quanto às expectativas da gestação.
- Compreendo muito os teus relatos Sabrine, e até aqui, tudo
tem uma relação, mesmo direta ou indiretamente. Diga-me uma coisa: você sempre
quis engravidar?
- Sim! Mas me arrependo de ter engravidado de Augusto. Se eu
soubesse que ele não daria atenção devida para Luan, eu teria procurado
outro.... e...
- Se bem que, máquina do tempo não existe. Somente nos sonhos
querida Sabrine! E para terminar esta primeira sessão de análise, me diga bem
resumidamente sobre teus últimos sonhos com teu filho Luan. Desculpe lhe
interromper, você iria dizer alguma coisa importante?
- Não, era só uma ideia sem utilidades para nossa sessão. O
que foi feito não tem como retornar e consertar. Pois bem, meu querido Nan, se
assim eu posso lhe chamar. A penúltima vez que eu sonhei com Luan, este estava
tão sorridente a correr de braços abertos no campo da nossa fazenda, pois
morávamos na cidade, e sempre nos finais de semana íamos passear em nossa
Chácara dos Sonhos Possíveis, assim chamava e ainda chama, e isto é verdade.
Então, Luan corria e nunca cansava, como se aquela força de vida fosse um sopro
eterno, e a morte não mais existisse. O último sonho Luan já estava triste,
chorando por ter tropeçado em uma pequenina pedra e ter caído no chão. Eu não
via sangue em teu rosto, somente escoriações; simples arranhões da vida.
- Sobre os remédios de dormir quero que pare de tomá-los.
- E se eu não conseguir...
- Mas você ainda não tentou!
- Sim, seguirei o que me mandas!
- Repare em tuas mudanças a partir da sessão de hoje.
- Já sinto bem aliviada das dores.
- E antes de dormir, pense sempre em momentos bons tanto de
sua vida e quanto a do teu filho que foram. Tente o máximo que puder, em
planejar tudo que você fará no dia, para que isso ocupe tua mente.
- Pode deixar que seguirei à risca os teus conselhos.
Quando Sabrine se levantou do divã e olhou para o Dr.
Ferdinan, ela sentia um prazer enorme em poder lhe abraçar e lhe dizer o quanto
aquela sessão foi importante para teu aprendizado. Tuas dores já haviam
desaparecido. Sabrine se sentia leve - como um pássaro - e Ferdinan compreendeu
muito mais as questões psíquicas de Sabrine. No decorrer dos meses, Sabrine foi
nutrindo dentro de ti, uma intensa paixão e uma grande admiração pelo
psicanalista que a libertou do jugo do passado, e agora, ela alçava voo além da
superfície. Dentro dele, acredito, também crescia um sentimento por Sabrine: um
coração que batia acelerado sempre quando ouvia tua voz.
(Carlos André)