segunda-feira, 24 de julho de 2017

Conto - O Psicanalista e a paciente Sabrine

O Psicanalista e a paciente Sabrine


















Dr. Ferdinan era um dos mais cultuados psicanalistas de sua geração. Discípulo das teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan, mesmo que contradizia Freud e Lacan em algumas teorias destes.  Ferdinand escreveu várias teorias acerca da aplicação hipnótica de Charcot, além de abrir as portas da psicanálise para a eficiência e a não eficiência da hipnose em algumas áreas da mente.

Houve um dia, que uma nova paciente veio lhe procurar dizendo:
- Doutor! Tenho dores insuportáveis na cabeça sempre quando acordo de um sonho, independente se este sonho foi bom ou não. O pior é que estas dores continuam, mesmo com pouca freqüência no decorrer do dia.

Só de analisarmos-lhe, já poderíamos prever o que era a dimensão do teu quadro clínico. As dores eram tão intensas como se fosse uma ponta de uma lâmina que entrasse na pele, que teu ciclo menstrual sempre variava. Aquilo não parecia ser uma cólica menstrual, e longe de ser um sintoma de gravidez. O nome da paciente era Sabrine, e logo quando Sabrine entrou no consultório, Ferdinand analisou minuciosamente tua expressão cabisbaixa, e a feição dela neste dia era de uma palidez total, que Dr. Ferdinand a disse:

- É melhor você deitar no divã. Relaxe e tente esquecer as preocupações que o cercam no momento.
- Tentarei!
- Feche os olhos, e coloque teus braços paralelos de cada lado. Respire profundamente.
- Sim, doutor!
- Não precisa ser formal aqui, lhe peço. Pode me chamar de Ferdinan, ou alguma alcunha do meu nome, caso queira. Será melhor para nossa consulta, e também pelo desenrolar da nossa conversa. Porque a formalidade pode travar algum pensamento íntimo que tenha vontade em me dizer.
- Tudo bem Ferdinan!
- Sabrine, relembre o que realmente lhe trouxe até o meu consultório, principalmente de tua última crise.
-Estava completamente dopada de remédios para dormir, antes de vim pra cá. Faz três anos que meu filho de cinco anos havia morrido. Ainda sinto uma dor intensa dentro de mim.
- Qual foi a causa da morte?
- Pneumonia!
-Tente me dizer como era tua vida antes deste acontecimento.
- Tudo era tão bom, um sonho perfeito, onde não havia dores e mortes. A alegria sempre reinava em nossa casa. Eu era casada nessa época. Sou divorciada... e.... meu marido não suportou as minhas crises. Os sonhos que eu tinha com o nosso filho, as alucinações de ver meu filho andando pela casa, dizendo: “Mamãe, olha o que eu achei no pátio”, e ele sorridente abria as duas mãos e me mostrava um filhote de pássaro, e eu dizia toda contente “Que lindo filho, mas está na hora de devolvê-lo para a mãe dele”, pois sabe doutor, quero dizer, Ferdinan, que eu também aconselhava meu filho já naquela idade sobre que certos pertences são da natureza – as lágrimas inundaram o rosto de Sabrine no momento quando relembrava desta cena – disse Dr. Ferdinan:
- As boas imagens, que também são tidas como boas lembranças são as que devemos deixar em nossa memória. Você me contou algo importante que pode ser uma das chaves do teu problema de suas terríveis enxaquecas. Conte-me sobre os últimos sonhos que você teve com o teu filho, e depois me conte sobre algum sonho em que ele não aparece.
- Teve uma noite, que estava chovendo tão forte, que abrir as janelas e respirei aquele ar gelado. Pois eu queria morrer, do mesmo modo que o meu filho.
- E teu marido, não fez algo para lhe impedir?
- Augusto?! Aquele era um ser insignificante, um traste, que só importava com teus negócios na empresa, e que só serviu para colocar Luan no mundo. Eu agradeço-o por isso.  
- Desculpe sair um pouco do rumo da conversa, mas você não o amava?
- Sim, eu o amava. Porém, tinha momentos que eu o odiava a ponto de não querer mais. Toda vez que íamos pra cama, ele queria somente satisfazer teus desejos ao invés dos meus. Nunca cheguei ao orgasmo com Augusto. Doutor, você me ama, mesmo que tenha poucos instantes que nos conhecemos?
- Sabrine, não misture a consulta com as intimidades sentimentais da vida.
- Desculpe doutor! Quero dizer, Ferdinan...
- Tudo bem, continue... e depois volte nos sonhos...
- Sim! Augusto amava Luan, mas era do jeito dele. Comprava um monte de brinquedos, empanturrava o quarto de Luan, mas carinho mesmo pouco o dava. Então, quando eu abrir a janela com a chuva, também pensei em minha infância que também foi boa. Comparei-me com Luan, aquilo que eu poderia lhe conceder que minha mãe não soubera me dar.
- O que tua mãe não soube...
- Carinho meu querido Ferdinan!
- Este é um dos bens mais valiosos para a mente Sabrine.
- Não que minha mãe nunca me abraçou, mas sempre ela me dava carinho e depois me repreendia verbalmente. Percebia que a repreensão dela era consigo mesma, com o meu pai que a largou. Assim, ela descontava tua dor de desamparada em mim. Embora hoje tenhamos uma boa relação, e ela adorava Luan e detestava Augusto. Acredita que ela me apoiou quando eu fiquei grávida? Um dia eu sonhei, e este foi o sonho diferente dos que eu tive com Luan, pois neste sonho, minha mãe abraçava-me tão calorosamente, que minha esperança aumentava quanto às expectativas da gestação.
- Compreendo muito os teus relatos Sabrine, e até aqui, tudo tem uma relação, mesmo direta ou indiretamente. Diga-me uma coisa: você sempre quis engravidar?
- Sim! Mas me arrependo de ter engravidado de Augusto. Se eu soubesse que ele não daria atenção devida para Luan, eu teria procurado outro.... e...
- Se bem que, máquina do tempo não existe. Somente nos sonhos querida Sabrine! E para terminar esta primeira sessão de análise, me diga bem resumidamente sobre teus últimos sonhos com teu filho Luan. Desculpe lhe interromper, você iria dizer alguma coisa importante?
- Não, era só uma ideia sem utilidades para nossa sessão. O que foi feito não tem como retornar e consertar. Pois bem, meu querido Nan, se assim eu posso lhe chamar. A penúltima vez que eu sonhei com Luan, este estava tão sorridente a correr de braços abertos no campo da nossa fazenda, pois morávamos na cidade, e sempre nos finais de semana íamos passear em nossa Chácara dos Sonhos Possíveis, assim chamava e ainda chama, e isto é verdade. Então, Luan corria e nunca cansava, como se aquela força de vida fosse um sopro eterno, e a morte não mais existisse. O último sonho Luan já estava triste, chorando por ter tropeçado em uma pequenina pedra e ter caído no chão. Eu não via sangue em teu rosto, somente escoriações; simples arranhões da vida.
- Sobre os remédios de dormir quero que pare de tomá-los.
- E se eu não conseguir...
- Mas você ainda não tentou!
- Sim, seguirei o que me mandas!
- Repare em tuas mudanças a partir da sessão de hoje.
- Já sinto bem aliviada das dores.
- E antes de dormir, pense sempre em momentos bons tanto de sua vida e quanto a do teu filho que foram. Tente o máximo que puder, em planejar tudo que você fará no dia, para que isso ocupe tua mente.
- Pode deixar que seguirei à risca os teus conselhos.

Quando Sabrine se levantou do divã e olhou para o Dr. Ferdinan, ela sentia um prazer enorme em poder lhe abraçar e lhe dizer o quanto aquela sessão foi importante para teu aprendizado. Tuas dores já haviam desaparecido. Sabrine se sentia leve - como um pássaro - e Ferdinan compreendeu muito mais as questões psíquicas de Sabrine. No decorrer dos meses, Sabrine foi nutrindo dentro de ti, uma intensa paixão e uma grande admiração pelo psicanalista que a libertou do jugo do passado, e agora, ela alçava voo além da superfície. Dentro dele, acredito, também crescia um sentimento por Sabrine: um coração que batia acelerado sempre quando ouvia tua voz.


(Carlos André)

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