Conto
O
Homem-lobo
Certa vez, percorria pela cidade Sem-nome, a fama de
um homem-comum, que num determinado horário do dia, quando o pôr-do-sol se
despedia dos altos-montes, este homem-comum preparava-se para transformar em um
lobo.
O homem-comum morava em um castelo de cartas em
ruínas, nas redondezas desta tão desconhecida cidade Sem-nome, onde toda a
magia da vida acontece. O nome do homem-comum? Não que eu não quisesse lhes
revelar, todavia, o nome deste homem-comum, tinha algo a ver com teu lado lobo
feroz. Garras na areia. Cheiro de sangue nas mandíbulas.
A família do Homem-lobo era da cidade dos
Corações-gelados, aproximadamente ficava a sessenta quilômetros da cidade
Sem-nome. A cidade dos Corações-gelados pertencia àqueles que eram frios,
metódicos e modestos, que para certas pessoas, isso apresentava um jeito tão
antiquado de se portar diante da sociedade.
Diferente da cidade Sem-nome, onde moravam habitantes
que a maioria não possuía nome-comum, pois não havia cartório naquela cidade, e
todos se nomeavam através de características comportamentais ou físicas. Um
exemplo: havia a mulher Orquídea, sendo que teus cabelos eram vermelhos e ela
sempre passava em teu corpo fragrância de orquídea. A mulher Orquídea
trabalhava na padaria da esquina onde o Senhor Insensato pegava toda manhã o
ônibus. O Senhor Insensato trabalhava na fábrica Cinza.
O senhor Insensato não compreendia o amor e suas vicissitudes.
Não compreendia o porquê que Orquídea guardava sempre no sutiã, as cartas de
seus admiradores secretos, e que depois do expediente, Orquídea lia toda
empolgada para Dona Formosura, que era só formosura de só ver. Orquídea após
ter lido indagava suspirando: “Será que este seria um bom marido?”.
Poderíamos chamar de uma nação civilizada, tanto a
cidade Sem-nome e a cidade dos Corações-gelados. O que mais incomodava o
Homem-lobo que nasceu na cidade dos Corações-gelados, é que nesta cidade, nada
ali lhe atraía, até então. Um dia a mãe Proeminência, disse-lhe:
- Filho! Por que então você não procura tua
felicidade! É tão angustioso ver você insatisfeito aqui em Corações-gelados, se
ao menos eu pudesse lhe ajudar. Teu pai já lhe disse que se você quiser, ele
conversa com o Prudente, e arranja-lhe algum afazer na fábrica Cinza.
- Mãe, melhor não! É melhor eu partir. Não quero que
ninguém descubra meu segredo.
E foi assim, que o Homem-lobo despediu-se de sua mãe
Bromélia, do pai Sereno e da tua irmã Hermínia. Deixou para trás uma vida. Tua
cidade Corações-gelados era agora somente um retrato na parede, do castelo de
cartas em ruínas.
Anos se passaram, e as transformações do Homem-lobo
foram se tornando mais comuns. Certo
dia, vindo do escritório Sem-ordem, local onde trabalhava despachando documentações
de famílias sem endereço, o Homem-lobo encontrou uma jovem esbelta mulher, que
parecia está perdida naquela cidade Sem-nome. Ela era míope, e usava óculos
para ver melhor o formato das coisas coisificadas: dos prédios, dos anúncios de
refrigerantes, dos livros nas bancadas das livrarias. Além de ser bonita, ela
era culta, não pelos óculos, mas por tua maneira de idealizar as palavras, e no
modo de conhecer o homem. O Homem-lobo aproximou-se e a perguntou:
- Por acaso não estás perdida, estás?
- Não! Só quero encontrar a Hospedagem Sem-fim da Dona
Luz.
- É ao lado daquela livaria C. Desculpe não ter me apresentado
antes. Chamo-me Lobato, e sou da cidade dos Corações-gelados e moro aqui faz
tempo. E o teu nome poderia dizer-me, caso não se importe?
- Meu nome é Cecília, e sou da cidade dos Velejantes.
- Muito me encanta teu nome! Nunca ouvi falar do teu
nome nem de tua cidade. Infelizmente tenho que ir agora, adiantar o envio
destes documentos para amanhã eu passar para o chefe - Lobato abraçou-a.
Cecília, sorrindo, disse-lhe:
- Obrigado Lobato! Quem sabe nos encontramos por aí?
- Não precisa agradecer Cecília. Foi um prazer lhe
conhecer. Podemos marcar algum dia de tomar café pela manhã.
- Ou um jantar! Opinou Cecília.
- Melhor não – proferiu angustiado Lobato. Pela noite
fica difícil para mim, por causa do trabalho...
Cecília consentiu pelo olhar, balando a cabeça como um
sinal de sim, retornando com a primeira ideia de Lobato, sobre o café da manhã.
Naquela noite, não diferente de outras noites, Lobato se
transformara no lobo, deixando de ser aquele homem-civilizado. Noutro dia,
conforme o combinado, eles tomaram juntos o café da manhã na livraria C. Lobato
sentiu no olhar de Cecília, uma compaixão pela vida, uma serenidade no modo de
tratar as dificuldades. Cecília poderia lhe ajudar a superar o teu medo com
suas transformações, a equilibrar teu lado selvagem e humano. Lobato tinha medo
de feri-la se contasse o segredo do lobo. Por enquanto, eles estavam ali
somente para beber o simples café, e contar mais um pouco de si para o outro.
Durante a noite, Lobato, - quero dizer -, o Homem-lobo uivaria pelas montanhas
da cidade Sem-nome, sedento de outras manhãs.
(Carlos André)
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