sexta-feira, 24 de março de 2017

Crônica - O Homem que só usava terno

Crônica

O Homem que só usava terno















No meio desta alta sociedade, tanto podia ser parisiense ou de qualquer outra capital, no qual os charutos também tinham sua vez nas rodas de discussões políticas, além das discussões sobre filosofia e economia. Altamira, uma mulher de pouco mais de 30 anos, de estatura média, cabelos ruivos, olhos castelos, estilo gótico pela sombra das sobrancelhas; maça do rosto rosado quando sorria, regozijava durante a fineza de estilo do discurso do almirante Leopoldo. Isso era de se analisar, quando Leopoldo, estatura alta, calvo, com suíças e de cartola na cabeça, sentado na mesa onde acabaram de servir o banquete; levantou-se, tirou a cartola, e numa posição militar, proferiu a seguinte frase:

- Tenho a honra, juntamente com os convidados aqui presente, de dar início a este banquete, onde no final, iremos decidir os rumos futuros da Ordem Secreta da Maçonaria. Com a crise democrática que a sociedade para além dessas portas deste salão convive, a nossa irmandade, por mais que seja de poucos membros, corre o sério risco de acabar!

Leopoldo franziu o cenho. Acredito que tuas mãos se tornaram frias num instante quase imperceptível. Trêmulas nem tanto, porquanto o teu posto de almirante fazia de Leopoldo, um cara firme de palavra. Embora, haja exceções.

A sala toda se fez em silêncio, nenhuma mosca com teu zunido operava tua tarefa pelo ar; ou se quer o farfalhar de seda do vestido da madame Antonieta, que se encontrava logo a direita do Doutor Pétros (sentado no último lugar da fileira oposta do palestrante), fizera barulho quando Leopoldo exclamou que aquilo em que acreditavam, poderia acabar de uma vez por todas.

- De fato, o que você bem disse Leopoldo, coloca em xeque-mate o futuro obscuro da nossa irmandade; - disse Serafim, um senhor já de idade, que foi secretário de relações públicas administrativa, e agora, é secretário daquela irmandade maçônica, e prosseguiu no teu dizer -; a crise tanto política e social de lá fora, nos afetara de uma forma imprescindível, e não esperávamos que as conseqüências viessem em voga. Em nossa irmandade, só aceitamos pessoas de alto nível cultural e intelectual, para que possa se agrupar com os demais e nos ajudar a estudar esta sociedade que estende aos olhares. Sociedade que lemos nos jornais; assistimos no teatro, vemos pela TV. Qual é o futuro, ou será que é só consumismo com informação manipulada, com pouca opinião de decisão?

- Que bom ouvir tua ideia Serafim, quanto a esta questão que, com certeza, preocupa a todos que se encontram ao redor desta mesa – respondera o almirante. Altamira admirava tanto a proeminência da colocação de Leopoldo diante da atual crise.

- Gostaria de tomar a palavra, se já concluístes o almirante Leopoldo – anunciou de repente o duque Caxias. O duque Caxias, era duque daquela maçonaria, que até então, era o centro das discussões.

- Pois não duque! Nos diga...

- Bem, se a ordem de agora é ajudar os mais necessitados, levando livros arrecadados das bibliotecas que estão procurando meios inseticidas de matarem as traças e os cupins; sem olvidar que há um escasso público que recorre às bibliotecas. E para finalizar meu pronunciamento, isso dependerá das gerações, para outras épocas.

- Tome cuidado com esta expressão “para outras épocas” – recomendara o jovem historiador Ambrosio, que se levantara já com seus 29 anos, bem administrados. Do teu lado esquerdo, estava tua esposa Lorena, uma jovem pianista de cabelo curto castanho, olhos verdes, aspirante para a música erudita, especialmente a barroca.

- Sim, meu caro Ambrosio! Esta expressão é mais do que uma premonição tardia do que nos espera no decorrer desses anos.

- Sei que o senhor Serafim pronunciara esta expressão antevendo os rumos da irmandade – antecedeu Leopoldo, e antes mesmo que terminasse, as portas do salão se abrira, e entrara com o passo calculado um jovem, que sabia onde estava pisando. De perto jovem, mas de longe, parecia ter seus quarenta anos, de postura erguida, mas que na verdade tinha seus vinte e três anos. Era um homem com terno preto, algumas vezes se portava com ternos de outras cores (azul, cinza, verde, vermelho, amarelo, lilás, entre outros estilos), mas que sempre usava terno. Percebiam-se nas ocasiões festivas, literárias. Todos estavam esperando Richard, especialmente a Clara, uma jovem com seus vinte e seis anos, de cabelos loiros ondulados, olhos castelos que pela luminosidade do salão, refletia um azul-claro nos olhos. Guardara um lugar para Richard ao teu lado. Richard agradeceu a Clara com um beijo no rosto. Clara sorriu. 

Richard era o cronista da cidade. Escrevia para O Pasquim e O Cruzeiro. E naquela ocasião trouxera no bolso do terno, a última crônica escrita. E que no final da reunião, leria para os convidados. Havia aqueles que estavam esperando ansiosos pela leitura da crônica. 

- Prossiga, não quero que minha chegada lhe interrompa no que estavas dizendo. Talvez seja mais fácil moldar o presente, do que consertar o futuro. Sendo assim, faça de minhas palavras o que irias continuar. Então continue...

- Nãooo! Disse o almirante. Prefiro que você leia a tão esperada crônica. Estavas somente defendendo a explicação de Serafim sobre a “época”...

- Não quero parecer finalizador de dialéticas tão estimáveis.

- Não está sendo meu caro Richard! Leias a crônica para que todos possam decidir sobre os rumos da nossa irmandade – determinou Leopoldo.

- Então lerei! Disse Richard.

Aqueles que ainda estavam sentados se levantaram da mesa, e se encaminharam para a sala contígua à sala de jantar. Uma sala extensa, de melhor acústica para debates, saraus, declamações, encenações teatrais. E assim, se fez silêncio instantâneo, e o verbo da palavra fizera mudança quando a leitura da crônica começou.


(Carlos André)

Nenhum comentário:

Postar um comentário