quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Crônica - Crônica Moderna




Crônica Moderna







      Inevitável! Todas as nossas probabilidades são inevitáveis. Certa vez, dizia o senhor Linius:

-Tua vida ainda terá surpresas!!!
-Quais hão de serem essas surpresas?
-Não sei. Tu a de retornar?
-Hei de pensar no assunto.

        Confesso ao leitor que inevitavelmente a de notar na crônica suas devidas tensões de enredo; cartas espalhadas em cima da mesa; o toalete e seus batons. Tua boca misteriosa que dita à iminência da crônica moderna. Sei! Que ela deixara a porta do apartamento escancarado, marcas de saudades frias e entediadas no cobertor.

-Por que não disse a ela?
-Dizer o quê?
-Você sabe o quê.
-Talvez não adiantasse.
-Adiantaria sim! Não espere que o mundo fale por você.
-Por que diz isso? O senhor sabe que eu não devo retornar.
-Não! Tu não sabes de quase nada, doutor Friedrich.
-E o que eu devo saber de tão importante senhor Linius? Diga-me.
-Quero que retornes. Não é um pedido que lhe peço. São seus inevitáveis que pedem a ti que retorne.
-Não lhe compreendo senhor Linius!
-Tu me compreenderás quando fores retornar.

        Esta não é uma história fictícia. É uma história de inevitáveis. Se o leitor não me compreende de imediato, o perdoarei por não me compreender de imediato. Porque não compreendi de imediato os inevitáveis, e nem o motivo do retorno ao apartamento. O senhor Linius foi meu professor de literatura no Liceu. Agora tinha compreendido de ele ter uma literatura imediata: “são os inevitáveis da vida” – dizia ele.

        Tive que ir de ônibus para chegar ao apartamento. Três ônibus de imediato. “Lembre-se meu jovem, são os inevitáveis que a vida nos reserva”, relembrava os dizeres do professor Linius. Até aqui, poderia eu entender o que seria os “inevitáveis da vida”. Um pensamento em vão, esquecido no ponto de ônibus, de fato, aqueles três ônibus que peguei, não seriam inevitáveis, visto que, de imediato, eu poderia ter ido de metrô ou táxi. “O inevitável é aquilo que nos consola”, repetiria esta frase no primeiro ônibus, pensaria que o professor Linius estivesse ambíguo ao dizer à frase que eu repetiria em algumas ocasiões da vida.

        Veja que no primeiro ônibus percebi que do meu lado, havia uma mulher que amamentava teu bebê que a pouco chorava, e isso, nos consola, e consola o bebê ainda mais; bebê que sugava levemente o leite quente materno – êxtase nas glândulas mamárias. E isso, consolava a mãe ainda mais. Evitável para o bebê não chorar. Inevitável seria a sensação adquirida no primeiro sugar.

        No segundo ônibus, não acontecera nada de inevitável. Porque sentado ao meu lado, havia um senhor de imediatos 60 anos, que lia refletidamente o jornal que comprara na banca neste segundo ponto de ônibus. A manchete que o intrigava estava escrito: “Morre em enchente, menino de 14 anos”. Dúvidas quanto a essa questão. Poderia ser evitável. É evitável! Não precisa de ênfase pra ser evitável. Porém, a morte do garoto não nos consola. Era inevitável a justiça.


        O terceiro ônibus revelava um mistério. Não havia evitáveis, ou inevitáveis no terceiro ônibus. O ônibus se encontrava vazio, só eu de passageiro, e o motorista não imaginaria o que pudesse ter acontecido de imediato. Aquilo poderia ser um niilismo. O dilema: o niilismo poderia ser evitável, ou seriam cartas do baralho espalhadas em cima da mesa?

         Enfim, chego ao apartamento. O porteiro não soubera onde a Letícia poderia estar. Talvez na casa dos pais. Caminhei diretamente ao nosso quarto, o professor Linius poderia estar certo, a carta estaria na gaveta? E estava. Intacta inevitavelmente. Sem nenhuma palavra distorcida. O segredo: a Letícia estava grávida. Esperando meu filho, o nosso filho! Este era o segredo para que eu retornasse. De imediato, vi a imagem do bebê do primeiro ônibus que chorava na procura do leite sagrado. Aquele bebê em poucos anos estaria aprendendo a andar. Seus primeiros passos valiosos. Sim! Queria dizer a Letícia que eu a amo muito. Era isso que eu devia ter dito quando discutimos sem justificativa.

        Inevitavelmente, fui à procura dela. Com passos de um ser preciso, resoluto no que vai fazer, com todos os seus imediatos. Passos de um ser inevitável. E não era necessário ter três condições imediatas pra saber disso.



                                 (Autor: Carlos André)
  

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