Novela – O PIANISTA
Capítulo
XIII – A Carta;
“Luana...
Escrevo em um dia frio, onde
a chuva lá fora com granizo começou a cair. Aos poucos, o clima ia se tornando
ríspido e exasperante. Com o passar do tempo, eu já não tinha mais o controle
de minhas próprias ações.
Querida, os nossos filhos
não mereciam sequer ouvir isso: tortura, injustiça, medo dos desafios
inusitados que havia na prisão; medo daquilo que vem pela frente; gritos
agonizantes pelos corredores quase intermináveis do Galeão. Será que morreremos
na cadeira elétrica, no pau-de-arara, seremos jogados ao mar, ou seremos
simplesmente tidos como desparecidos políticos?
Eu me sinto um trato (eles rasgaram minha
roupa) que está definhando pouco a pouco em sua existência ignóbil, pela qual,
não há mais saída, a não ser acabar com minha própria vida colocando uma corda
no pescoço, pois não quero dar o orgulho, o gostinho deles fazerem isso. Mas
por pensar em nossos filhos e em ti, nunca perderei a esperança de seguir em
frente. Penso muito na Clara e no Gustavo; e por mais que seja difícil nesse
momento, eu tenho fé que tudo acabará bem!
Há companheiros de cela que
depois de serem torturados e postos em suas celas ensanguentados, clamavam “por
favor, me dê um pouco d’água, estou com sede!”; ou aqueles que nem tinham tempo
de pedirem água, ou clamarem por Deus. Se bem que, se Deus existisse ali, onde
ele estaria?
Querida, era mais do que
necessário ter um preparo psicológico do que físico nesse ambiente. Espero que
um dia, os nossos filhos tenham a maturidade de entenderem que o pai deles não
foi um covarde, um ser inútil e mesquinho, que para os militares, um completo
traidor: aquele que não passou a informação devida, o número e o endereço dos
camaradas que conseguiram fugir.
Desejo que os nossos filhos
vejam o outro lado da história, e que não comecem a interpretar os fatos
verídicos a contragosto. Já não estamos mais vivendo a era Costa e Silva (no
qual só se lembra do milagre econômico), agora se instalou a Era mais
tenebrosa, onde a tortura anda à solta, e se tornou um cardápio predileto dos
militares, período do general Médici.
Espero que os nossos filhos
futuramente possam estar cientes, do que é viver às margens de uma decisão
importantíssima, e do que é ser líder do seu tempo, em seu tempo. Confesso que
há dentro de mim uma chama que não quer se apagar, mas que aos poucos se
enfraquece. Eu te amo muito, além dos nossos filhos que me deste. Seria inútil
eu dizer “Adeus”, bem melhor um “Até breve”. Perseverar e lutar sempre... um
beijo forte no coração!
Do seu querido marido P. A.
Tabarez.
15/09/1970”
Esta foi a carta de Pedro
Alvarez Tabarez, que foi entregue a Luana por um amigo de sela. Luana era uma das
professoras da mesma escola onde Leocádia dava aula.
(Carlos André)
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